Bukowski mora em SP

Não deviam ser nem cinco da tarde quando cheguei na avenida. 
Lá do outro lado vinha um senhor, camisa puída, calça social marrom, carregando umas sacolas de mercado. 
Ele ia atravessando fora da faixa, alheio aos carros que passavam a milhão. 
No meio do cruzamento começou a gorfar, continuou a atravessar a avenida o gorfo fluindo em jatos cor de laranja rançoso que pareciam restos do strogonoff do almoço.
Sem diminuir o passo, as pessoas observavam o velho se aproximar aos solavancos vomitando na camisa azul porteiro, nos sacos do mercado e finalmente no lixo encostado no poste da calçada. Alí ele se deteve alguns instantes, escorou e deixou escorrer os últimos vestigios do almoço mal digerido.
Limpou a boca com o antebraço e sem vacilar entrou no bar em frente, encostou no balcão e pediu uma dose de cachaça. 
Tive que admirar o velho! 

Sobre aquele dia...




Já encontrei assim, cambaleando pela rua. 
Nem me viu, peguei pelo braço e levei pro buteco mais tosco que encontrei... 
Entre o tiozão aposentado que mora no prédio em cima do bar e o catador de lata que calcula os ganhos do dia, passa na tv engordurada os resultados dos jogos do brasileirão. 
Antes fossem os resultados da sena, do oscar ou qualquer outra merda do gênero. Pelo menos ninguém ficava prestando atenção...
O tiozão bebendo drehier no balcão fala alguma asneira sobre o jogador sei-lá-o-que do São Paulo. 
Pronto! Vai vira amigo de infância!
Te beijo só pra cala tua boca. 
Depois da caixa de cerveja pendurada na conta do bar, vamos nos escorando pela rua mal iluminada, até o terceiro andar do predinho do centro. 
Será que você me carregou até aqui? Acho que não, você nunca me aguentaria... 
Ponho a cerveja no freezer, ligo um som meio pau-mole só pra dançar agarradinho sem perturbar o clima...  
Poderia te engolir por impulso, assim meio sem querer, por isso me controlo, não quero te atacar rápido demais.
Você fala umas besteiras pra mim eu finjo que acredito, dou risada, faço a tímida... 
Sem sucesso... 
Tomamos mais umas, dançamos outras... e depois da terceira do Otis eu já to tão molhada...
No caminho pro quarto largo as roupas, as garrafas e o pudor que já nem tinha. 
Posso ficar te chupando com você fitando minha bunda pelo espelho pra sempre. Só pra ver essa sua cara de panaca...
Você me aperta e me fode como se nunca precisasse gozar. Mas a gente goza.
Agora tá quente pra caralho dentro desse quarto, o ventilador barulhento só faz jogar um jato de ar morno nos dois pelados na cama. 
Foda-se... tá bom assim, dormiria aqui a noite inteira. 
Daí toca a merda do despertador, é noite ainda, minha cabeça tá explodindo...
Pronto! Pegar o maldito busão lotado e ir trabalhar... vida de merda!
Nem vo te acorda, te deixo aí dormindo nesses lençóis branquinhos e vou me jogar na rua...
Pena que você não vai estar aqui quando eu voltar....